Sobre "Cântico Negro"

terça-feira, março 27, 2007

Eu não conhecia o poema "Cântico Negro" de José Reis, que postei anteriormente. Descobri em um desses sites com textos e referências de grandes escritores.
Li o texto e achei maravilhoso, tão bom que merecia ser colocado no Blog, assim outras pessoas podem ler e eu também não vou esquecê-lo.

- Sobre o que pensei ao ler o poema... -

Acho que é comum nos sentirmos, ainda que por poucos momentos, diferentes, fora da regra, estranho à maioria... enfim, únicos. Aliás, únicos nós somos mesmo, mas em determinados momentos viajamos para dentro de nós e descobrimos algo que marca... algo que nos faz pensar "eu acho que sou o único que pensa/sente/se comporta dessa maneira". Algumas vezes estranhamos esses pensamentos, outras vezes, principalmente para os mais autênticos, isso é motivo de orgulho. Mas e quando descobrimos o diferente dentro de nós mesmo e, rapidamente, escondido para ninguém descobrir...... escondemos o que é diferente, por medo de não se enquadrar em um comportamento padrão? Tem gente que esconde tão bem que a própria pessoa esquece que um dia se viu diferente.
Eu não entendo nada de sociedade, filosofias, ideologias, etc etc etc. Mas na minha ignorância, medito como é engraçado o ser humano ter essa necessidade da uniformidade... seja no pensamento, na religião, na estética e até mesmo no desejo. Mas ao mesmo tempo existe aquela necessidade de ser único, de se desviar do padrão. Isso faz pensar como é interessante esse conflito de identidade. E, ao ler o poema, foi tudo isso que pensei....


Agora, ele merece ser colocado na íntegra.

"
Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!"

(Cântico Negro, José Regio)

1 comentários:

R R disse...

É, Vivian...

Minha primeira interpretação sobre o trecho não tem nada a ver... Concordo com sua visão agora que vi o texto integral.

Mas realmente eu não consigo entender poesia mesmo... :)

Beijos!